PERFIL DE LIDERANÇA PARA TREINADORES DE FUTEBOL NA VISÃO DE TREINADORES...
DOI: 10.4025/reveducfis.v21i1.7051
R. da Educação Física/UEM Maringá, v. 21, n. 1, p. 59-68, 1. trim. 2010
PERFIL DE LIDERANÇA PARA TREINADORES DE FUTEBOL NA VISÃO DE TREINADORES DO CAMPEONATO BRASILEIRO1 LEADERSHIP PROFILE TO SOCCER COACHES ACCORDING TO TOP BRAZILIAN COACHES
Israel Teoldo da Costa Apoio Professor Doutor Assistente A do Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH.
Dietmar Martin Samulski Professor Doutor Adjunto do Departamento de Esportes da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais–EEFFTO-UFMG.
Varley Teoldo da Costa* Professor Mestre Assistente A do Centro Universitário de Belo Horizonte–UNI-BH.
RESUMO
Este estudo objetivou identificar o perfil de liderança para os treinadores de futebol. Para a coleta de dados foram utilizados um questionário de identificação da amostra e a Escala de Liderança Revisada para o Esporte, versão perfil ideal ou desejado.
Participaram deste estudo 20 treinadores do Campeonato Brasileiro Série A/2005. Esses treinadores apresentavam idade média de 50 anos (±6,92) e um envolvimento direto na função de treinador de 15,10 anos (±8,42). Os resultados mostraram consistência interna de a=0,86 e indicaram que os treinadores entrevistados consideravam a autocracia e os aspectos de treino-instrução os principais componentes para um perfil de liderança. Ficou constatado também que os aspectos situacionais, de reforço e de suporte social são importantes no processo de liderança. Em conclusão, o perfil de liderança para
o treinador de futebol é aquele que combina o estilo de decisão autocrático e o estilo de interação voltado para o desempenho técnico, tático e motivacional da equipe.
Palavras-chave: Liderança. Treinador. Futebol.
INTRODUÇÃO
O treinador ganhou espaço e respeito no futebol nos últimos anos e vem sendo uma figura de destaque em muitos times e clubes.
Sua exposição à mídia explica-se pelo fato de o público e os críticos terem interesse no seu trabalho, uma vez que ele coordena as ações do seu time e analisa os pontos fortes e fracos das outras equipes na tentativa de obter os melhores resultados, extraindo o máximo potencial dos seus atletas (COSTA, 2006).
O fato de muitas equipes profissionais terem rendimentos semelhante nas competições, principalmente nos aspectos físico, técnico e tático, leva o treinador a buscar, além dos conhecimentos científicos específicos de sua modalidade esportiva, uma capacidade de liderança que consiga satisfazer e aumentar onível de desempenho pessoal e coletivo de seus atletas, promovendo um diferencial da sua equipe em relação às outras. Assim, o treinador deve conhecer todos os seus atletas e pessoas ligadas à equipe e saber de suas características,
para que sua intervenção possa ser acertada no sentido de atender às expectativas, aos objetivos e anseios de toda a equipe (SANTOS FILHO, 2000).
Além disso, a sua intervenção profissional em diversos contextos de prática exige aporte de conhecimentos e competências ajustados às condicionantes particulares do ambiente. Neste âmbito é fundamental que o treinador domine competências interpessoais como a comunicação e a liderança, que, por sua vez, potenciem a estimulação de outros fatores, como a coesão de grupo, a motivação, a autoconfiança, a autoestima e outros (BESWICK, 2001; DURAND-BUSH; SALMELA; GREENDEMERS, 2001; ORLICK, 2000; SALMELA, 1996; SIMÕES; RODRIGUES; CARVALHO 1998; LYLE, 2002).
De acordo com Vilani (2004), as formas de interação entre os treinadores e os seus respectivos atletas vêm sendo tema de estudo no campo da psicologia social, principalmente no âmbito da liderança. Segundo Horn (1992), os objetivos principais deste campo de estudo têm sido identificar os comportamentos de liderança mais eficazes em situações nas quais os resultados foram bem-sucedidos ou em que houve respostas psicológicas positivas.
Desta forma, a importância do treinador no âmbito desportivo é consensual na sociedade em geral e no meio científico em particular, sendo relativamente recente a preocupação em estudar com maior rigor todas as variáveis de atuação do treinador no contexto esportivo. Apesar das investigações já realizadas sobre esta temática
(CHELLADURAI, 1993; CHELLADURAI; SALEH, 1980; COSTA, 2003; HENSCHEN; STALTER, 2002; JAMBOR; ZHANG, 1997; JOWETT; COCKERILL, 2003; LOPES, 2006; SAMULSKI; GRECO, 2004; SERPA; PATACO; SANTOS, 1989; SIMÕES, 1994), observa-se que poucos trabalhos científicos vêm sendo feitos na área da liderança esportiva aplicada ao futebol (SIMÕES; RODRIGUES; CARVALHO, 1998; PAPANIKOLAOU; PATSIAOURAS; KERAMIDAS, 2005), especialmente em grupos de treinadores que disputam os principais campeonatos promovidos pela Confederação Brasileira de Futebol – CBF (COSTA, 2006; COSTA ; SAMULSKI, 2006; SAMULSKI; LOPES; COSTA, 2006; COSTA SAMULSKI; MARQUES, 2006)
Em função dessa escassez de estudos no futebol, Samulski e Greco (2004) reforçam a necessidade de utilizar ferramentas práticas que permitam ao treinador potenciar a relação interpessoal com os jogadores, tendo em vista o desenvolvimento de um processo de treino harmonioso e global que conduza ao sucesso desportivo. Adicionalmente, a importância da participação de treinadores com experiência reconhecida reside na posição privilegiada em que eles se encontram para proceder a avaliações através das suas valorizações, percepções e competências de liderança. Ante a complexidade do tema e adversidade de conhecimentos que o treinador deve possuir e desenvolver, tornase relevante aumentar a compreensão sobre as características da liderança que podem influenciar positivamente a relação entre o treinador e o atleta. Neste sentido, o presente trabalho teve por objetivo analisar o perfil de liderança para os treinadores de futebol na perspectiva dos treinadores do Campeonato Brasileiro.
MATERIAIS E MÉTODO
Amostra
Participaram da pesquisa 20 treinadores dos clubes participantes do Campeonato Brasileiro2005, série A, com média de idade de 50 anos (±6,92). Esses treinadores possuíam tempo médio de envolvimento com o futebol de 32,05anos (±7,15) e tempo médio de experiência como treinador igual a 15,10 anos (±8,42). Dos treinadores entrevistados, 45% possuíam graduação em Educação Física; 70% já haviam participado de competições internacionais como os Libertadores da América, o Mundial Interclube ou Copa do Mundo; e 60% deles já haviam conquistado pelo menos um título de campeonato nacional ou internacional com equipes profissionais.
Instrumento de coleta de dados
O documento preenchido pelos treinadores foi composto de duas partes. A primeira delas continha um questionário de identificação constituído de 09 questões com perguntas abertas e fechadas, o qual foi aplicado com vista a obter dados acerca da formação e experiência do treinador no futebol. Na segunda parte, os treinadores responderam ao questionário contendo a Escala Revisada de Liderança para o Esporte (ELRE), versão perfil ideal ou desejado.
Essa versão objetiva identificar, na visão do participante, alguns fatores de um perfil de liderança que seja ideal para treinadores de futebol.
A ELRE foi desenvolvida e validada por Zhang, Jensen e Mann (1997) após um processo de revisão da Leadership Scale for Sports (LSS),desenvolvida por Chelladurai e Saleh (1980). AELRE é composta por sessenta questões fechadas, divididas em dois estilos e seis dimensões. O estilo de decisão se constitui das dimensões comportamento autocrático (08questões) e comportamento democrático (12questões). O estilo de interação é formado pelas dimensões comportamento de suporte social (08 questões), comportamento de reforço positivo (12 questões), comportamento de treino-instrução (10 questões) e comportamento de consideração situacional (10 questões). Utiliza-se uma escala tipo Likert de cinco pontos e as cinco alternativas de resposta são acompanhadas das seguintes palavras: sempre (100%), freqüentemente (75%), ocasionalmente (50%), raramente (25%) e nunca (0%).
A análise das propriedades psicométricas da ELRE na língua portuguesa foi verificada por meio da tradução e tradução reversa (“Back translation”), análise da consistência interna (coeficiente alfa de Cronbach) e a análise fatorial confirmatória (AFC). Esses procedimentos foram descritos no estudo realizado por Samulski, Lopes e Costa (2006) com 243 treinadores brasileiros de alto nível de esportes coletivos, todos do gênero masculino. Com base na natureza ordinal dos dados, na complexidade do modelo a ser testado e no tamanho da amostra, foi utilizado na Análise Fatorial Confirmatória o método de estimação dos Mínimos Quadrados Ponderados Diagonalmente (Diagonally Weighted Least Squares – DWLS) a partir de matrizes de correlação policóricas e matrizes assintóticas de covariância. Todos os índices de ajuste absoluto, incremental e parcimonioso apresentaram valores aceitáveis para o modelo de seis fatores oblíquos, excetuando-se o valor do teste de S-Bx2, que foi alto e significativos (p<0,05) mas, segundo afirmaram os autores, pode falhar quando o modelo é baseado em um grande número de variáveis e em uma amostra pequena (<400) com curva de distribuição não normal dos dados.
A consistência interna de um instrumento é, fundamentalmente, uma questão empírica que mostra a sua capacidade efetiva de medir as variáveis em várias experiências pressupondo as mesmas interpretações. Segundo Pasquali (1999), as técnicas mais utilizadas para avaliar a consistência interna são: duas metades, Kuder-Richardson e alfa de Cronbach. Neste trabalho utilizou-se o coeficiente de alfa de Cronbach para verificar a consistência interna dos dados da ELRE. A escolha desse teste foi baseada no trabalho de Zhang, Jensen e Mann (1997), que utilizou esse mesmo coeficiente.
O coeficiente alfa de Cronbach correlacionaos itens de cada escala de um grupo de resposta se, a partir dessa correlação, chega-se a um índice que varia entre 0 e 1. A literatura sugere um índice de alfa de Cronbach acima de 0,70 como preciso e confiável quanto à variável que se pretenda mensurar (PASQUALI, 1999;MORGAN ; GRIEGO, 1998; NUNNALY ;BERNSTEINS, 1994), porém este estudo considerou os valores de 0,60 a 0,70 como limites inferiores aceitáveis para uma análise confiável, conforme sugerido por Nunnaly(1978) e Hair et al. (2005).
Os resultados de alfa de Cronbach desteestudo foram de a=0,86 para a ELRE, a=0,84 para a dimensão “comportamento democrático”,a=0,46 para a dimensão “comportamento autocrático”, a=0,80 para a dimensão comportamento de suporte social”, a=0,83 paraa dimensão “comportamento de reforço positivo”, a=0,62 para a dimensão comportamento de consideração situacional” ea= 0,52 para a dimensão comportamento de treino - instrução.
Observa-se que cinco dos sete valores de alfa de Cronbach satisfazem os índices recomendados pela literatura (MORGAN; GRIEGO, 1998; NUNNALY; BERNSTEIN,1994; PASQUALI, 1999; NUNNALY, 1978;HAIR et al., 2005) e corroboram os valores de alfa de Cronbach encontrados em outros estudos(ANDREW, 2004; ZHANG; JENSEN; MANN,1997; LOPES, 2006; COSTA ; SAMULSKI,2006). Somente as dimensões comportamento autocrático e comportamento de treino instrução”apresentam baixos índices de alfa de Cronbach: (a=0,46) e (a=0,49), respectivamente. As limitações encontradas nessas duas dimensões também foram encontradas em outras pesquisas nacionais e internacionais (COSTA, 2003; JAMBOR; LOPES, 2006; ZHANG; JENSEN; MANN, 1997; TURNER ; CHELLADURAI, 2005; COSTA ; SAMULSKI, 2006; COSTA;SAMULSKI ; MARQUES, 2006).
De acordo com Chelladurai (1993), embora algumas dimensões não apresentem alta confiabilidade ou não alcancem a exigência de serem maiores que 0,70, isto não quer dizer que não se possam desenvolver análises relativas aos dados encontrados. Não obstante, o autor alerta que sempre que alguma dimensão estiver abaixo deste nível de exigência os pesquisadores e os leitores devem tomar cuidado com a interpretação dos dados para não sustentarem categoricamente algumas conclusões que podem estar inconsistentes diante de prováveis equívocos da compreensão do instrumento.
Procedimentos de coleta de dados
O pesquisador contatou todos os responsáveis pelos clubes com o objetivo de esclarecer os objetivos da pesquisa e convidar o treinador da equipe profissional para participar do estudo. Após o contato e o consentimento dos treinadores em participar voluntariamente neste estudo, o pesquisador agendava uma reunião no clube ou no hotel onde a equipe estava concentrada para o jogo do Campeonato Brasileiro. Nessa reunião o pesquisador reforçava os objetivos da pesquisa e a relevância do estudo, solicitava a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e entregava os questionários ao treinador. Os treinadores dispunham de tempo suficiente para registrar as suas respostas com clareza e precisão.
Procedimentos éticos
O projeto desta pesquisa foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tendo sido aprovado na íntegra por meio do parecer número ETIC 396/05, sendo reconhecido como um estudo dentro das normas estabelecidas pelo Conselho Nacional em Saúde (1996) e pelo Tratado Ético de Helsinki (1996), envolvendo pesquisas com seres humanos. A Escola Brasileira de Futebol (EBF), órgão vinculado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) responsável pelos assuntos científicos que são desenvolvidos no futebol brasileiro, também emitiu carta de apoio institucional e um parecer favorável ao desenvolvimento do projeto.
Análise estatística dos dados
Para inclusão dos questionários e suas respostas na análise dos dados foram adotados os seguintes critérios: (1) todas as questões deveriam estar preenchidas adequadamente pelos participantes e (2) os instrumentos para verificação da liderança não poderiam apresentar um índice superior a 10% de respostas em branco. Desta forma, todos os questionários que não satisfizeram estes critérios foram descartados deste estudo.
Os dados relativos à caracterização da amostra foram analisados de forma descritiva (média e desvio padrão) para dados contínuos e por distribuição de freqüência (percentual) para dados categóricos ou nominais. Para a verificação da consistência interna da ELRE utilizou-se o coeficiente de Alfa de Cronbach.
Foram também realizadas análises de variâncias (ANOVA) com nível de significância de p<0,05 para comparar as médias entre as dimensões nos estilos de interação e decisão que compõem o perfil de liderança. Para localizar as possíveis diferenças entre as dimensões foi realizado o teste de comparações múltiplas de DUNCAN.
Todos os procedimentos de análise dos dados foram realizados pelo pacote estatístico SPSS®
(Statistical Package for Social Science) for Windows®, versão 11.0
RESULTADOS
O aspecto mais interessante ao se analisar o perfil desejado de liderança, do ponto de vista do treinador, é a possibilidade de verificar alguns fatores que são essenciais na função de treinador enquanto líder de um grupo. Quando se compara essa análise à auto percepção dos treinadores sobre as suas funções, é possível verificar em quais fatores os treinadores se mostram mais autocríticos. Sendo assim, o foco principal deste questionamento é detectar se, na visão dos próprios entrevistados, existe uma dimensão que se sobreponha às demais dentro do perfil desejado de treinador.
Para alcançar tal objetivo, as 60 situações presentes na ELRE foram analisadas de forma agrupada dentro de suas respectivas dimensões. Por meio dos dados coletados se observou que os entrevistados consideram que o perfil de liderança para o treinador de futebol é aquele que concilia um estilo de decisão autocrático e um estilo de interação mais voltado, em ordem de importância, para as dimensões de “comportamento de treino-instrução”, “comportamento de reforço positivo”, “comportamento de consideração situacional” e “comportamento de suporte social” (Gráfico 1).
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